Auto-retrato - primeira versão
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de faxa, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno:
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno;
Devoto incensador de mil deidades,
(Digo de moças mil) num só momento;
Inimigo de hipócritas e frades:
Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou cagando ao vento.
Quando perder a Humanidade
Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi-gratia- o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade,
Não quero funeral comunidade,
Que engrole sub-vemites em voz alta;
Pingados gatarrões, gente de malta,
Eu também vos dispenso a caridade.
Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
LaVre-me este epitáfio mão piedosa:
«Aqui dorme Bocage o putanheiro:
Passou vida folgada, e milagrosa
Comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro».
Bocage