A filosofia prestes a ceder aos golpes da adversidade
TENHO assaz conservado o rosto enxuto
Contra as iras do Fado omnipotente;
Assaz contigo, oh Sócrates, na mente
A dor neguei das queixas o tributo.
Sinto engelhar-se da constância o fruto,
Cai no meu coração nova semente;
Já me não vale um ânimo inocente;
Gritos da Natureza! Eu vos escuto.
Jazer mudo entre as garras da Amargura,
De alma estóica aspirar à vã grandeza,
Quando orgulho não for, será loucura.
No 'spírito maior sempre há fraqueza.
E, abafada no horror da desventura.
Cede a filosofia à Natureza.
Extrai da glória alheia o seu desdoiro
Eis da Virtude o templo rutilante
Sacerdote ancião, de rubra veste,
Compassa pelo cântico celeste,
Meneado turíbulo fumante,
Do pio aroma, do vapor fragrante
O giro salutar consome a peste
Do vício, que debalde encara, investe
Turba de heróis às aras circunstante.
No sólio majestoso a deusa, abrindo
Aos alunos fiéis almo tesoiro,
Dobra o preço a seus dons em dar, sorrindo.
E à porta que volteia em quícios de oiro,
A Inveja, prenhe de áspides, bramindo,
«Extrai da glória alheia o seu desdoiro»
Bocage