Contra o Despotismo
SANHUDO, inexorável Despotismo
Monstro que em pranto, em sangue a fúria cevas,
Que em mil quadros horríficos te enlevas,
Obra da Iniquidade e do Ateísmo:
Assanhas o danado Fanatismo,
Por que te escore o trono onde te enlevas;
Por que o sol da Verdade envolva em trevas
E sepulte a Razão num denso abismo.
Da sagrada Virtude o colo pisas,
E aos satélites vis da prepotência
De crimes infernais o plano gizas,
Mas, apesar da bárbara insolência,
Reinas só no ext'rior, não tiranizas
Do livre coração a independência.
Liberdade
LIBERDADE, onde estás ? Quem te demora ?
Quem faz que o teu influxo em nós não caia ?
Porque (triste de mim !) porque não raia
Já na esfera de Lísia a tua aurora ?
Da santa redenção é vinda a hora
A esta parte do mundo, que desmaia.
Oh ! Venha... Oh! Venha, e trémulo descaia
Despotismo feroz, que nos devora !
Eia! Acode ao mortal que, frio e mudo,
Oculta o pátrio amor, torce a vontade.
E em fingir, por temor, empenha estudo.
Movam nossos grilhões tua piedade;
Nosso númen tu és, e glória, e tudo,
Mãe do génio e prazer, oh Liberdade!
Bocage
A filosofia prestes a ceder aos golpes da adversidade
TENHO assaz conservado o rosto enxuto
Contra as iras do Fado omnipotente;
Assaz contigo, oh Sócrates, na mente
A dor neguei das queixas o tributo.
Sinto engelhar-se da constância o fruto,
Cai no meu coração nova semente;
Já me não vale um ânimo inocente;
Gritos da Natureza! Eu vos escuto.
Jazer mudo entre as garras da Amargura,
De alma estóica aspirar à vã grandeza,
Quando orgulho não for, será loucura.
No 'spírito maior sempre há fraqueza.
E, abafada no horror da desventura.
Cede a filosofia à Natureza.
Extrai da glória alheia o seu desdoiro
Eis da Virtude o templo rutilante
Sacerdote ancião, de rubra veste,
Compassa pelo cântico celeste,
Meneado turíbulo fumante,
Do pio aroma, do vapor fragrante
O giro salutar consome a peste
Do vício, que debalde encara, investe
Turba de heróis às aras circunstante.
No sólio majestoso a deusa, abrindo
Aos alunos fiéis almo tesoiro,
Dobra o preço a seus dons em dar, sorrindo.
E à porta que volteia em quícios de oiro,
A Inveja, prenhe de áspides, bramindo,
«Extrai da glória alheia o seu desdoiro»
Bocage